Se há um dia bom (ou noite) para partir À Descoberta do concelho de Mondim de Basto ele é sem dúvida o dia dos Romeiros de S. Tiago, integrado nas festas do concelho, a 24 de julho.
A escolha do dia não foi ao acaso. A palavra romeiro já diz muito e se há coisa que tenho feito nos últimos anos são peregrinações, não no sentido religioso mas embebido da magia da descoberta de acontecimentos genuínos. A primeira palavra que aprendi, ao procurar alguma informação sobre a Noite dos Romeiros, foi a palavra merendeiro! Imaginei muitos petiscos, sabores da terra, aquilo que de mais tradicional houve/há no concelho.
Este evento pretende recuperar a tradição dos romeiros que subiam à Senhora da Graça, vindos dos mais distantes locais do concelho. Traziam mantas e cestas de vime com os melhores petiscos que havia na época, que constituía o merendeiro, abundante, para alimentar a família durante os dias que durasse a romaria. O vinho era transportado em cabaças.
Cheguei a Mondim ao final da tarde. Praticamente era tudo novo para mim. Estive em Mondim de Basto apenas por duas vezes: a primeira foi há cerca de 15 anos e dela apenas recordo um bonito espaço verde, com um lago e várias espécies de patos. A segunda foi no mês de maio passado, com entrada pela freguesia de Atei e saída pela freguesia de Ermelo e Pardelhas, sempre com um cenário fantástico, mas sem tempo suficiente para poder "saborear" as bonitas paisagens que fui encontrando. Desta vez teria mais tempo, mas havia que aproveitá-lo.
À chegada já se viam pessoas pelas ruas envergando trajes muito pouco comuns para os dias de hoje. Já eram os trajes para o desfile. Apenas houve tempo para fazer o check-in no hotel e sair para a rua, para não perder pitada.
O dia amanheceu triste, chuvoso até, mas quando o sol se escondeu no horizonte encheu a vila duma luz bonita, em harmonia com a iluminação noturna que também já estava ligada.
Dividi-me entre a vontade de ficar na rua, a acompanhar os vários grupos que já cantavam e tocavam, e a necessidade de comer alguma coisa, porque a noite ia ser longa. Consegui fazer as duas coisas, mas nenhuma com calma.
Encontrei uma tasquinha, com aspeto muito rústico e interessante, com uma mesa vaga. Não procurei mais e abanquei-me ali mesmo, no verdadeiro sentido da palavra.
Havia muitos e variados petiscos à escolha, o difícil foi mesmo escolher, mas o tempo era pouco. Como transmontano, habituado aos bons vinhos maduros do Douro, também no vinho tive alguma dificuldade. Há um conjunto de termos que são bastante diferentes de concelho para concelho, no que se refere à gastronomia, mas a ideia era mesmo experimentar, descobrir. Saíram uns pezinhos de coentrada, pataniscas de bacalhau e arroz de feijão e porco preto com batata a murro. Não arrisquei no vinho verde, preocupado que não me caísse bem e me estragasse a noite.
Talvez porque as expectativas fossem altas, não foi uma boa experiência gastronómica.
Pelas 21:30 estava tudo pronto na Av. Dr. Augusto Brito para o início do desfile. Estava à espera de muitos grupos, mas aquilo que encontrei superou todas as expectativas. Contei 32 grupos, não sei se havia mais.
Dei-me ao cuidado de ler o regulamento do desfile, por isso nem tudo foi surpresa. No entanto, há algumas constatações que merecem realce: é muito interessante verificar que os grupos eram constituídos por pessoas com grande amplitude de idades. À frente, segurando a placa identificativa, iam quase sempre crianças (e por isso mereceram a minha atenção fotográfica), mas havia muitos jovens e idosos. Pude até verificar que os idosos eram acarinhados nos grupos, talvez por serem eles que têm mais forte a tradição. Cantavam com grande entusiasmo.
A segunda surpresa foram os instrumentos. Estou muito mais habituado a festas e arraiais onde predomina a gaita de foles. Por isso, ver e ouvir tanta concertina foi um momento único. A sonoridade deste instrumento é, só por si, uma festa. Já os trajes não diferem muitos dos que podemos encontrar noutras pontos de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Assisti à passagem dos diferentes grupos, um a um. Foi muita informação em simultâneo para "processar", mas ainda fiquei com algumas quadras:
Somos Romeiros
E gostamos de Cantar
Do Vilarinho
Nós viemos festejar.
Nós somos do Vilarinho
Viemos p'ra Romaria
Para as festas de Mondim
trazemos muita alegria.
Nossa Senhora da Graça
Vinde a baixo dai-me a mão
Que sou Romeirinha nova
Abafo do coração.
Desloquei-me depois para o Largo do Conde de Vila Real, onde assisti à chegada da maioria dos grupos. A alegria era a mesma, talvez até maior, fruto do entusiasmo e dos muitos líquidos "energéticos" bebidos pelo caminho. O Sr. Presidente da Câmara, juntamente com outras personalidades, cumprimentavam, um, a um, os diferentes grupos.
Todo o Largo, bem como a Praça 9 de Abril e Avenida dos Bombeiros tinham marcações e fardos de palha para as toalhas e merenda. Os grupos eram extensos, a merenda muita e foram espalhadas toalhas pelo chão e na relva do jardim onde foram postos surpreendentes manjares, uns mais antigos, outras nem tanto. Havia bivalves e pizzas, mas eram exceções, quase todos os grupos apresentavam; bacalhau frito com ovos, pataniscas, cebolas com vinagre, pepinos com sal, sardinhas ou peixinhos do rio, bolinhos de bacalhau, presunto, enchidos variados, azeitonas, bolos, bolas de carne, migas de pão, tremoços, etc. etc.
Tive oportunidade de provar alguns petiscos, aqueles que mais me chamavam à atenção, principalmente por me serem pouco familiares. Estava tudo muito saboroso.
Durante horas as pessoas comeram, beberam, tocaram, cantaram e dançaram. Os grupos estavam muito próximos e era uma festa de festas, com cantares típicos, concertinas, bombos e pandeiretas e pessoas a dançarem, algumas descalças,
Depois da uma da manhã foi a aparelhagem sonora que animou a malta e tive nova surpresa: novos e velhos a dançarem em comum, música pimba e outra nem tanto (Fasto, por exemplo). Curiosamente todos dançavam com muita alegria. Há muito que não via um arraial assim!
Perto das três da manhã abandonei o recinto. A música continuou a tocar e a animação durou até ao nascer do dia (talvez por isso, foram poucos os que compareceram na Senhora da Graça, para a festa religiosa).
Pela manhã do dia 25 seria de esperar que houvesse muito lixo pelo chão, mas quando fiz um passeio pela vila já tudo tinha sido limpo e nas flores do jardim cintilavam pérolas de água usada na rega.
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